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Uma mente criativa é inquieta, não consegue parar.



Durante muitos anos conciliei meu trabalho de personal chef com minhas obrigações em uma escola de artes plásticas. Entre artistas, tintas e pincéis, pude desenvolver e estreitar laços com meu lado criativo, o que me auxilia muito na preparação e principalmente montagem de pratos. Parecem mundos bem distintos e distantes, mas pra mim estão intimamente ligados. Toda sensibilidade e criatividade, composição de elementos se misturam e as vezes não consigo diferenciar o projeto de uma peça em mosaico e uma fatia de torta disposta em um prato de porcelana azul com bolinhas amarelas. O processo é o mesmo, enquanto o artista se expressa em uma tela ou uma peça decorativa, os cozinheiros se expressam em um prato, um copo ou uma panela, que por sua vez se tornam obras de arte que podem agradar os cinco sentidos do nosso corpo. Na escola pude aprender que para as pessoas leigas em arte, desenho e pintura são técnicas usadas para representar de maneira realista a natureza, objetos e pessoas, ou seja, imitando a fotografia. Para essas pessoas é difícil imaginar a arte de uma forma diferente da representação realista e não podemos culpá-las, nem recriminá-las por isso, porque, realmente, o desenho e a pintura podem ser utilizados para representar a natureza, figuras e objetos à maneira como estes são vistos pelo olho humano. Não há nenhuma objeção quanto a isso. Inclusive, há obras bastante expressivas de desenhos e pinturas realistas e até mesmo hiper-realistas, elaborados nas mais diversas técnicas. No entanto, a arte é muito mais do que representar as coisas de maneira realista. O desenho e a pintura são formas de se expressar, se comunicar e transmitir emoções. Mesmo que, para isto, seja necessário “sacrificar” ou quebrar algumas ou mesmo todas as regras estabelecidas, em benefício de uma maior expressividade. Puxa estamos falando de arte ou de gastronomia? Pois é, ambas as áreas se misturam e se confundem, pelo menos do meu ponto de vista.



Um desenho, uma pintura, uma fotografia ou um prato, mesmo quando são concebidos de maneira bastante realista, são formas de representação, quer dizer, não expressam uma “verdade absoluta”. Compreender isso é o primeiro passo para começar a entender e desenvolver o processo criativo. A criatividade é inerente a todo ser humano. E não se restringe ao fazer artístico. Qualquer atividade, para que seja bem sucedida, exige uma boa dose de criatividade, desde o orçamento familiar, preparação de um prato, gestão de uma empresa, o desenvolvimento de uma obra artística e assim por diante. A criatividade do homem é a grande propulsora da manutenção da raça humana na terra, pois, embora o mundo tenha dado seu grande salto tecnológico somente nos últimos cem anos, não podemos esquecer dos nossos ancestrais, desde os Nômades, que, por instinto de sobrevivência, usaram a criatividade e partiram em busca de melhores condições de vida, até os gênios do passado, que abriram caminho, criando condições favoráveis a essa evolução. No entanto, surge a grande questão: Se todo Ser humano é criativo, porque somente alguns conseguem, realmente, mostrar essa criatividade e se destacar em uma ou mais atividades? Existem várias questões que podem influenciar não na capacidade criativa, mas na forma como cada um se predispõe a ser criativo. Neste contexto, entram fatores como a ambição pelo dinheiro, falta de disposição, energia, dedicação, interesse, curiosidade, disciplina, entre outros. Por exemplo, há pessoas que têm tendência ou facilidade para determinadas áreas ou atividade, mas, por algum motivo, não têm interesse; outras ficam se imaginando “criando” coisas geniais, mas não têm disposição para, efetivamente, “por a mão na massa”. O que quero dizer é que a criatividade, por si só, não vai transformar uma pessoa desconhecida em alguém talentoso e reconhecida no seu meio da noite para o dia. Picasso foi um artista genial, mas também, teve muita energia, dedicação, personalidade e disciplina, para se tornar o maior artista das artes visuais do século XX. Algumas características são comuns às pessoas criativas, entre as quais pode-se destacar a curiosidade, a coragem (ausência do medo de errar), o interesse pelos outros, a independência da opinião alheia, a concentração nos objetivos, capacidade de “sair” do convencional (ver o problema sob outro ângulo), a facilidade de formular perguntas, interesse pela leitura e a determinação com que se atiram aos seus projetos. Se você apresenta essas qualidades - naturalmente associadas ao domínio dos conteúdos que pretende desenvolver - certamente, você é uma pessoa criativa. Para exercer essa criatividade, no entanto, é necessário que a pessoa encontre a tarefa certa, ou seja, o que realmente gosta de fazer. Dificilmente, uma pessoa vai ser criativa, fazendo algo que não gosta e não se identifica. Estas são apenas algumas pistas, que podem fazer sentido em menor ou maior grau. Mas, não posso afirmar que uma pessoa não é criativa por que não possui essas características. Depende muito da tendência natural de cada um e do tipo de tarefa ou atividade que irá desempenhar. Um jogador de futebol, por exemplo, não precisa, necessariamente, gostar de ler, no entanto, precisa de coragem e agilidade física e mental.

Resumindo, acho que posso dizer que uma pessoa criativa é aquela que consegue soluções para um problema, uma situação ou uma oportunidade. Ou seja, é aquele indivíduo que consegue encontrar soluções criativas para por em prática a sua criatividade. Nunca me esqueço que o que serve para um pode não servir para o outro.


Como profissional acredito que todo cozinheiro é um grande artista e criativo por natureza, considero cada prato uma obra de arte única e exclusiva. Como comensal acredito que um prato deve ser saboreado sem interferências ou pré julgamentos. Antes de experimentar é necessário que se abra a mente e deixe que cada elemento do prato cumpra seu papel, aguce os sentidos e promova uma satisfação momentânea, provocada principalmente pela sensibilidade e expressão de quem o reparou.

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