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Depois do “Ops, deixei cair!”, pode vir o “Oba, olha o que eu acabei de criar!”


“I dropped the lemon tart"

Já parou pra pensar como os grandes pratos são criados? Onde as idéias surgem? Como criam forma? Muitas receitas são criadas longe da cozinha, em uma roda de amigos, em um evento de família, ouvindo uma música ou em alguns casos surgem a partir de um erro!


Foi em uma dessas cozinhas, ditas perfeitas, com uma estrela na porta e a segunda quase chegando, que o jovem chef italiano Massimo Bottura trabalhava, com uma equipe também jovem mas já experiente.


A cidade era Modena, para onde ele voltara depois de uma ótima experiência em Nova York. Como ele mesmo diz, Modena, na Itália, é a cidade dos carros velozes e da comida lenta – fast cars and slow food! Foi lá que surgiram a Ferrari e o Maserati. Foi também onde nasceu Luciano Pavarotti e seu inigualável alcance vocal. É lá que se produz o melhor queijo grana. E é lá que está uma das melhores gastronomias italianas, onde o clássico e o moderno se encontram em uma harmonia inesperada, cujo sabor confunde e encanta até os mais exigentes críticos.


Massimo tinha contratado um sous chef (o segundo comando na cozinha) japonês, que estava ali em um evidente esforço de aprimoramento. Quando voltasse para Tokyo, Takahiko Kondo seria considerado um mestre, e não lhe faltariam convites de restaurantes da badalada gastronomia internacional que se pratica no Oriente. Trabalhar em uma cozinha italiana tem o valor de um PhD. E lá estava Taka, com seu talento pessoal, acompanhado da paciência e determinação samurais, sempre atencioso e silencioso.



Foi numa noite de sábado que o acidente, que se tornou famoso, aconteceu. A casa estava cheia, e talvez um crítico Michelin estivesse no salão, disfarçado de cliente comum, como é do costume do famoso guia.


Um dos segredos da boa cozinha, além da qualidade dos ingredientes, dos temperos e do talento de quem nela trabalha, é sua organização impecável. Nada pode faltar, e nada pode sobrar. A quantidade de produtos disponíveis é calculada pela demanda provável, e é importante calcular bem, pois, se faltar, vexame, se sobrar, prejuízo. A noite estava encerrando e tudo tinha corrido bem até então, quando a última mesa fez o último pedido: duas fatias de torta de limão. Depois, dois expressos, quem sabe um limoncello, e pronto, mais um expediente seria encerrado como convém.


Takahiko, já cansado, abriu a porta da geladeira das sobremesas e, com alívio, viu as duas últimas fatias de torta, esperando para serem saboreadas. Ao retirar as tortas, entretanto, o inesperado se fez presente. Uma fatia foi cuidadosamente colocada sobre o prato de sobremesa, mas a segunda, misteriosamente, caiu das mãos habitualmente firmes do samurai, ficando a metade no prato e a outra metade espalhada sobre a bancada de trabalho.



“Oops! Mi è caduta la crostata al limone.” (“Ops! Derrubei a torta de limão.”) O que se seguiu foi um silêncio profundo. Todos olharam para o japonês desastrado, e em seguida para Massimo, o chef italiano. Poder-se-ia ouvir uma mosquinha voando, se houvesse um desses dípteros em uma cozinha imaculadamente limpa. Todos esperavam uma bronca, impropérios contra a desatenção, o desleixo. Mas esse não é o estilo do chef Massimo. Tudo o que ele disse foi: “Dire di nuovo, Taka” (“Diga de novo, Taka!”). O japonês, que depois contou que naquele momento tinha pensado que por um erro equivalente um ancestral seu teria cometido harakiri, repetiu que tinha, simplesmente, derrubado a torta, falando agora em inglês: “I dropped the lemon tart, chef”!


“Pois vamos reconstruir a partir do que temos!”, disse o chef italiano, conhecido por manter na cozinha um clima ameno e cordial, ao contrário de muitos dos colegas famosos, que acham que gritar, destratar os funcionários e jogar panelas no chão fazem parte obrigatória da liturgia. O que se viu a seguir foi uma fabulosa combinação de liderança, resiliência e criatividade.


Para o encanto de todos que assistiram à cena, o chef Massimo rapidamente criou um novo prato, uma nova sobremesa a partir daquele desastre. Começou espalhando zabaione de limão sobre um prato, criando uma sensação de algo derramado por acaso. A torta quebrada foi colocada sobre essa superfície, como se tivesse sido quebrada de propósito. A torta que estava inteira foi quebrada também, e remontada com uma precisão artística que encanta aos olhos antes de ser comida. A nova sobremesa ficou belíssima!


“Naquele momento criamos uma nova sobremesa” – disse Massimo depois. A sobremesa aparece hoje no cardápio da Osteria Francescana com seu nome de batismo: “Oops! I dropped the lemon tart”. Para Takahiko, ficou o ensinamento de que devemos aprender com nossos erros, acreditar na reconstrução e usar a criatividade para produzir, a partir disso, algo ainda melhor.


Na cozinha, como na vida, valem a competência, a dedicação e o talento, mas também a resiliência, a criatividade e o empenho. Em qualquer situação, e em qualquer fase da vida, depois do “Ops, deixei cair!”, pode vir o “Oba, olha o que eu acabei de criar!”. Só depende de você!

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