Cegos na cozinha
A ideia ao se apresentar um prato é criar uma experiência que mexa com os cinco sentidos de uma pessoa, não apenas com o paladar. Mas, e se o cliente for um deficiente visual? Afinal eles também comem. Vamos além de nossa imaginação, já pensou na hipótese de sair para jantar e seu prato ser preparado por uma pessoa “cega”?
Christine Hà, uma chef de cozinha “cega” desenvolveu uma tática para cozinhar sem poder enxergar: "Escuto as bolhas na água para saber se ela ferveu; sinto o perfume do alho antes de ele queimar; toco a carne para saber se está crua ou ao ponto.
Muitas vezes me peguei de olhos fechados imaginando como seria o mundo de uma pessoa com deficiência visual. Como seria ouvir alguém descrever uma situação e automaticamente criar uma cena em meu cérebro. Como imaginar uma faca descrita por outra pessoa, ou uma panela, ou até mesmo uma colher. Como seria ir para cozinha e preparar uma refeição, ou simplesmente sentar-me para comer sem poder ver o que estava a minha frente. Eu fecho os olhos e ouço os barulhos ao meu redor e posso identificar as formas, mas como imaginar algo que nunca vi, que não tenho referencias para poder montar uma imagem. Nunca consegui uma resposta. Somente quem é portador de uma deficiência sabe de suas dificuldades e adaptação.
Christine Huyentran Hà é uma chef, escritora e apresentadora de TV americana, filha de vietnamitas e natural de Houston, no Texas (EUA). Ela foi a primeira concorrente cega de um programa de desafio gastronômico para amantes da cozinha, mas que não são profissionais, o Master Chef, e morram de inveja, foi a vencedora da terceira temporada USA em 2012 .
Christine Hà sofre de neuromielite óptica, em que o próprio sistema imunológico de uma pessoa ataca os nervos ópticos e a medula espinhal. Em 2004 ela foi diagnosticada e, gradualmente, começou a perder sua visão, e ficou completamente cega em 2007.
Ela descreve a sua visão “ como olhar para um espelho muito nebuloso depois de um banho quente". Apesar disso, ela usa tecnologias existentes para gerenciar suas mídias sociais sozinha.
Em 2010 ela se formou em Administração de Empresas e Finanças e em 2012 participou do Programa de Escrita Criativa de Houston. Ela recebeu recentemente um prêmio de poesia da The ScissorTale Review e foi finalista no concurso Programa-Off 2010.
Ela também trabalha como Editora de Ficção para Gulf Coast Journal e seu trabalho tem aparecido em destaque em revistas e jornais.
Ela nunca estudou gastronomia, mas tem um grande número de seguidores em seu blog culinário. Ela afirma : "Eu dependo muito mais dos meus outros sentidos para cozinhar. O gosto, cheiro , paladar e tato são importantes para identificar certos ingredientes", acrescentando que cozinhar sem visão envolve apenas “muita organização".
Quando ela competiu na terceira temporada do Master Chef, ganhou sete vezes os desafios individuais e em equipe. Em 10 de setembro de 2012 Hà foi anunciada a vencedora da competição e levou $ 250.000, o título Master Chef , o troféu Master Chef , e um livro de receitas publicado.
O livro, intitulado "Recipes from My Home Kitchen: Asian and American Comfort Food" foi lançado em 14 de Maio de 2013, com comidas típicas asiáticas e americanas.
O lançamento do livro estimula o debate sobre o desafio que é cozinhar, cortar ingredientes, usar o fogão, montar pratos bonitos e tudo sem um dos sentidos.
Em 2013, Hà começou apresentar o programa de TV canadense “Four Sense” com Carl Heinrich, o vencedor da segunda temporada de Top Chef Canadá. É um programa de culinária voltado para os deficientes visuais, e vai ao ar na AMI TV, uma rede de cabo canadense desenvolvida para tornar a televisão acessíveis à deficientes visuais e auditivos. Para se tornar compreensível a deficientes visuais, a tv contém uma grande quantidade de áudio-descrição, onde são narrados os fatos que estão acontecendo na cozinha, o que estão fazendo, os cheiros que estão sentindo assim como os sons que estão ouvindo.
Em 2015, ela revelou em seu blog e Facebook que se juntaria aos jurados da terceira temporada de Master Chef do Vietnã, também foi convidada pelo Master Chef USA, fazendo dela a primeira ex-participante e vencedora em todo o mundo a se tornar uma jurada e também a terceira mulher a ser jurada em todas a história do programa, após Michal Ansky de Israel e Christina Tosi.
Na sexta temporada ela retornou junto com Luca Manfe e Courtney Lapresi como convidada do Master Chef USA. No final do ano, ela também fez uma aparição no Master Chef celebridade Showdown na batalha de "Champions vs Juniors".
Ela foi a primeira chef /escritora a receber o prêmio de mérito pessoal Helen Keller em 2014, um prêmio a pessoas e organizações que "demonstraram a realização proeminente na melhoria da qualidade de vida das pessoas com perda de visão". Os vencedores anteriores incluiu músicos Stevie Wonder, Ray Charles e Tom Sullivan, o ator Charlie Cox e o empresário Bernard A. Newcomb.
Culinária é, também, uma das oficinas da Fundação Dorina Nowill para Cegos. Os deficientes atendidos pela entidade podem incluir no programa de reabilitação cursos de atividades da vida diária como varrer o chão, passar roupa e cozinhar. Todo mês, 35 cegos e pessoas com baixa visão fazem as atividades que incluem a orientação culinária. Algumas dicas de cuidados ao cozinhar explicam que os mantimentos e utensílios precisam ser guardados sempre no mesmo lugar; os ingredientes devem ser porcionados e deixados em sequência na bancada; no fogão, as panelas devem ficar sempre na mesma posição. Já as mãos devem ficar estendidas à frente para detectar, através do calor, a boca acesa do fogão.
Pessoas com deficiência precisam de oportunidade. A todo o momento pessoas cegas tem que provar à sociedade que são capazes. Por isso, Deborah Prates, que é deficiente visual, decidiu fazer uma série de pequenos vídeos comprovando que os cegos são capazes de realizar qualquer tarefa, a começar por sua própria casa.
Em 2013, um restaurante móvel totalmente escuro e servido exclusivamente por funcionários cegos pretendiam conscientizar os argentinos sobre a realidade enfrentada pelos deficientes visuais.
O grupo de dez cozinheiros e garçons percorreu escolas, empresas e organizações públicas no ônibus transformado em restaurante ambulante por iniciativa de uma organização não-governamental voltada para a inclusão social.
Os integrantes do projeto chamado "Gallito Ciego" tinham entre 25 e 50 anos de idade e deficiência visual desde o nascimento ou adquirida por doenças como diabete.
A fundadora da ONG Audela, que foi responsável pelo projeto, Monica Espina, revela que os cozinheiros estudaram no Instituto Argentino de Gastronomia, onde aprenderam a fazer uma série de pratos, incluindo salgados, pizzas, carnes e sobremesas.
"O objetivo da iniciativa é gerar conscientização de que pessoas cegas também podem ser autônomas e realizar diferentes atividades profissionais", disse Espina. "No ônibus, eles cortavam as verduras, cozinhavam, colocavam a mesa, serviam os clientes e lavavam os objetos usados".
Havia espaço para até 25 convidados no ônibus, que integrou os trabalhos da ONG na localidade de Acassuso, no município de San Isidro, na província de Buenos Aires.
A comida era servida no escuro para que pessoas com visão tivessem a mesma experiência dos que não vêem.
No ônibus, depois de comer no escuro, os cozinheiros faziam palestras e os clientes podiam fazer perguntas. María Susana, uma das cozinheiras do ônibus diz que os clientes costumavam repetir uma mesma pergunta, “se ela era feliz”, e María sempre dizia, “eu sou feliz e vivo a vida com otimismo e muita alegria".