"Meus doces pode comprar, os livros pode deixar. Porque os doces se estragam e os livros não.&q
Neste dia em que a mais de um século nascia a maior doceira de nossa história, gostaria de fazer uma homenagem não somente a pessoa de Cora Coralina, pois para mim, homenagens a mortos são desnecessárias, sou da opinião que temos que enaltecer aos que amamos e admiramos enquanto estão vivos, mas a humilde lembrança é principalmente uma forma de agradecer a toda sua obra, história e legado que carinhosamente e sabiamente nos deixou. Em uma época onde as mulheres não tinham espaço, Coralina se destacou pela sua capacidade de escrever, cozinhar e principalmente fazer história.
Cora Coralina - venho do século passado e trago comigo todas as idades.
"Eu sou aquela mulher
a quem o tempo muito ensinou.
Ensinou a amar a vida
e não desistir da luta,
recomeçar na derrota,
renunciar a palavras
e pensamentos negativos.
Acreditar nos valores humanos
e ser otimista.
Creio na força imanente
que vai gerando a família humana,
numa corrente luminosa
de fraternidade universal.
Creio na solidariedade humana,
na superação dos erros
e angústias do presente. [...]
Aprendi que mais vale lutar
do que recolher tudo fácil.
Antes acreditar do que duvidar".
Cora Coralina, em trecho do poema "Ofertas de Aninha (aos moços)", do livro "Vintém de cobre: meias confissões de Aninha"
Coralina elaborava seus doces em tachos de cobre, em sua casa velha da ponte, em Goiás Velho (GO), onde recebia centenas de fregueses que além dos deliciosos doces, era recebido também com um café fresquinho e um bom dedo de prosa. Suas obras se caracteriza, pela espontaneidade e pelo retrato que traça do povo do seu Estado, seus costumes e seus sentimentos. Para ela, a culinária é a mais nobre de todas as artes, ligada à vida.
Sou mais doceira e cozinheira do que escritora, sendo a culinária a mais nobre de todas as Artes: objetiva, concreta, jamais abstrata a que está ligada à vida e à saúde humana. (trecho do poema: Cora Coralina, Quem É Você?)
Cora Coralina era chamada Aninha da Ponte da Lapa. Tendo apenas instrução primária e sendo doceira de profissão, era mulher simples, viveu longe dos grandes centros urbanos, alheia a modismos literários, produziu uma obra poética rica em motivos do cotidiano do interior brasileiro, em particular dos becos e ruas históricas de Goiás.
"O sucesso dos doces de mamãe tinha dois segredos: o ponto e o açúcar", revela Vicência Bretas, filha de Cora Coralina. "Mamãe não usava muito açúcar. Ela valorizava uma calda natural, seus doces eram glaceados nesta calda. O segredo era o ponto. Mesmo com alguém para ajudar, era só ela quem dava o ponto no doce."
Cora (de coração) e Coralina (de coral), pseudônimo de Anna Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, nasceu em Goiás, em 20 de agosto de 1889 e faleceu em Goiânia, dia 10 de abril de 1985. Foi uma poetisa e contista brasileira. Considerada uma das mais importantes escritoras brasileiras.
Em 1903 já escrevia poemas sobre seu cotidiano, tendo criado, juntamente com duas amigas, em 1908, o jornal de poemas femininos "A Rosa".
Em 1910, seu primeiro conto, "Tragédia na Roça", é publicado no "Anuário Histórico e Geográfico do Estado de Goiás", já com o pseudônimo de Cora Coralina.
Em 1911 conhece o advogado divorciado Cantídio Tolentino Brêtas, com quem foge. Vai para Jaboticabal no interior de São Paulo, onde nascem seus seis filhos.
Seu marido a proíbe de integrar-se à Semana de Arte Moderna, a convite de Monteiro Lobato, em 1922.
Em 1928 muda-se para São Paulo, onde viveu por 43 anos.
"Não sei se a vida é curta ou longa para nós, mas sei que nada do que vivemos tem sentido, se não tocarmos o coração das pessoas. Muitas vezes basta ser: colo que acolhe, braço que envolve, palavra que conforta, silencio que respeita, alegria que contagia, lágrima que corre, olhar que acaricia, desejo que sacia, amor que promove. E isso não é coisa de outro mundo, é o que dá sentido à vida. É o que faz com que ela não seja nem curta, nem longa demais, mas que seja intensa, verdadeira, pura enquanto durar. Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina"
Em 1934 torna-se vendedora de livros da editora José Olimpio que, em 1965 aos 76 anos de idade, lança seu primeiro livro, "O Poema dos Becos de Goiás e Estórias Mais", onde reúne os poemas que consagraram o estilo da autora e a transformaram em uma das maiores poetisas de Língua Portuguesa do século XX.
Onze anos depois da primeira edição de Poemas dos Becos de Goiás e estórias mais, compôs, em 1976, "Meu Livro de Cordel".
Em 1980, Carlos Drummond de Andrade, como era de seu feitio, após ler alguns escritos da autora, manda-lhe uma carta elogiando seu trabalho, a qual, ao ser divulgada, desperta o interesse do público leitor e a faz ficar conhecida em todo o Brasil.
Finalmente, em 1983 lançou Vintém de Cobre - Meias Confissões de Aninha.
Cora Coralina recebeu o título de Doutor Honoris Causa da UFG em 1983. E, logo depois, no mesmo ano, foi eleita intelectual do ano e contemplada com o Prêmio Juca Pato da União Brasileira dos Escritores. Dois anos mais tarde, veio a falecer.
Em 31 de janeiro de 1999, a sua principal obra, "Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais", foi aclamada através de um seleto júri organizado pelo jornal O Popular, de Goiânia, uma das 20 obras mais importantes do século XX. Enfim, Cora torna-se autora canônica.
"Se temos de esperar, que seja para colher a semente boa que lançamos hoje no solo da vida. Se for para semear, então que seja para produzir milhões de sorrisos, de solidariedade e amizade"
É por causa de Cora Coralina, e de outras doceiras da cidade, que Goiás Velho é um cantinho com alma feminina. Uma pequena cidade de ruazinhas de pedras, belos casarões de estilo colonial, entre eles, o da escritora, e mulheres guerreiras, que ganham a vida com suas receitas açucaradas. “Prato de bons-bocados e de mães-bentas. De fios de ovos. De receita dobrada de grandes pudins, recendendo a cravo, nadando em calda...”, é um dos versos de Cora Coralina que retratam, no poema O Prato Azul-Pombinho, a veia doceira da sua cidade.
Sempre considerei Cora Coralina, uma de minhas autoras nacionais favoritas. Nascemos no mesmo mês, alguns dias de diferença porém separadas por um século, ela me inspira e me encanta. Um pouco por causa dos sentimentos que ela transmite em sua obra. Eles espelham a rigidez, a vida regrada e a determinação, tudo com uma doçura e inocência que vão de encontro à minha origem mineira. Outro motivo de minha predileção é que os versos da artista são muito comoventes. Quem me conhece sabe que não tenho mãos para doces, rs... e acho que nem paladar aguçado para eles, minhas papilas não trabalham junto com meu cérebro neste assunto, não sou capaz de identificar sabores que combinam entre si, diferentemente de outras receitas consideradas salgadas. Exatamente por não ter mão para essas delícias açucaradas é que admiro tanto as doceiras. Cora, com toda sua simplicidade é minha inspiração cada vez que preciso fazer uma sobremesa.
Aninha embalava seus doces em caixinhas de papelão. Eram três camadas de doces, forradas e intercaladas por papel celofane cortado do tamanho exato da caixinha. “Uma de cada variedade que tinha no momento”, conta Vicência. Mamão vermelho, cidra, abóbora. Em seguida, a caixa era embrulhada em papel bonito. “E finalmente amarrada com um barbante ornado com um delicado fio metálico enrolado em espiral”, conta o neto Flávio. Não adiantava o freguês querer só de um tipo: era convencido a levar os três doces com o argumento de que não se arrependeria, porque todos eram excelentes.
Museu da Casa de Cora Coralina
O Museu Casa de Cora Coralina é uma instituição museológica brasileira, localizada na cidade de Goiás, às margens do rio Vermelho, que busca preservar e divulgar a obra da poetisa brasileira Cora Coralina.
Também conhecida como Casa Velha da Ponte, a construção foi edificada em meados do século XVIII para uso do recolhimento do Quinto Real na região. A casa pertenceu ao desembargador Francisco Lins dos Guimarães Peixoto, pai da poetisa, tendo sido adquirida inicialmente no início do século XIX. A construção apresenta características típicas da arquitetura colonial brasileira, tais como paredes de pau a pique e adobe. O Museu foi criado pela Fundação Cora Coralina e inaugurado em 1989.
A visita guiada do Museu da Casa de Cora Coralina começa na cozinha, onde estão os tachos de cobre que Cora usava para fazer doces. O quarto também está como ela deixou, com vestidos pendurados na parede. Seus livros, fotos, cartas, máquina de escrever e até a bengala que a amparou até os últimos dias também estão expostos.
Em duas salas, totens reproduzem vídeos em que ela aparece declamando seus poemas. Durante o tour você também conhece mais sobre as pessoas que fizeram parte da vida da escritora, como Maria Grampinho, andarilha que perambulava pela cidade carregando sua trouxinha (a quem Cora dedicou um poema).
A personagem, folclórica em Goiás, é vendida em forma de bonecas de pano nas lojas de artesanato. Clique aqui para fazer uma visita virtual ao museu.