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O que tem nessa garrafa?


Você é o que você come! Infusões com cachaça

Nós, brasileiros, adoramos infusões: pimenta no azeite, cânfora no álcool, e claro, cachaça curtida com um monte de coisa boa, e algumas chegam a ser muito exóticas.


Quem nunca viu na prateleira de um bar aquela garrafa de cachaça com algo meio “Estranho” dentro? Acredito que isso faça parte do folclore dos botecos brasileiros, todo boteco que se prese tem pelo menos uma garrafa dessas à mostra.


Eu mesma tenho algumas garrafas de pimenta no azeite e vinagre, algumas vindas de outros estados, outras que colhi e preparei em casa. Adoro colocar um alho no vidro de olho ou uma erva no azeite, e nem água escapa desde folhas de hortelã a frutas, tudo junto e misturado.


No dicionário Unesp de Português Contemporâneo, Infusão significa “substância geralmente de origem vegetal, colocada em líquido para dela extrair sabor ou propriedades medicinais”. O processo de infusão não é nenhuma novidade na vida comum do brasileiro, e no processo não acrescentado apenas produtos vegetais, mas sim tudo que a imaginação permitir ingerir.


Café, chá, tissana e chimarrão são algumas das bebidas mais comuns e de mais vasta distribuição no planeta. Mas hoje com a mixologia ganhando cada vez mais espaço, estamos sempre buscando uma releitura dos clássicos e essa técnica nos permite acrescentar o nosso toque especial a qualquer tipo de bebida, principalmente a nossa brasileira cachaça.



O simples fato de adicionarmos um ingrediente a um liquido, pode torna-lo uma infusão. Quem nunca teve um machucado tratado com álcool e arnica, ou provou de uma bela pimenta no azeite, vinagre ou mesmo na cachaça? A famosa pinguinha curtida com cravo e canela, ervas, especiarias e frutas também são infusões.


A infusão nasceu com a injeção de ervas medicamentosas no álcool com intenção de conservá-las por mais tempo. Quando os farmacêuticos descobriram que as propriedades dessas ervas, passavam para o álcool, começaram a vender a bebida como um elixir pronto. Aliás, mesmo que seja por um processo industrial, boa quantidade dos medicamentos encontrados em farmácias, são feitos dessa forma.


O mercado brasileiro sofreu uma avalanche de destilados aromatizados. E a verdade é que a maioria dos sabores são muito artificiais. A transparência não é a prova como muitos pensam, já que as frutas podem ser infusionadas na redestilação para agregar sabor e não passar cor. Porém muitas vezes a adição do aroma é conquistada através de ingredientes químicos e aromatizantes artificiais.


As infusões artesanais além de frescor tem incontestável sabor natural, por isso nada melhor que fazer sua própria infusão, é só usar a criatividade e prestar atenção aos detalhes. Comece escolhendo uma bebida de boa qualidade e mais neutra possível, fica mais fácil obter um sabor final agradável. Agora se você quer harmonizar as características de envelhecimento com a matéria prima que você escolher para a infusão, ai você vai ter que fazer alguns testes até chegar a um resultado final harmonioso. Inicialmente, pense em no máximo 3 ingredientes para a sua infusão, e escolha ingredientes que combinem entre si. Antes de tudo é importante saber do local aonde irá se guardar a infusão. O local deve ser escuro, pois a claridade “queima” a mistura, dando alterações na coloração e o calor pode fazer com que a matéria-prima estrague dentro do álcool. Deve ser seco também para evitar que micro-organismos se instaurem no produto.


É uma farmácia de corno. A cachaça com catuaba é como Viagra; se a alquimia for com alho, o coração bate firme; a mistura com jatobá é bom para a anemia; com cravinho aquece as cordas vocais e junto com boldo trata o fígado... Como assim, álcool trata o fígado? “Se não forem muitas doses”, adverte, sorrindo, Cídine Souza, dono do boteco de cachaça em infusão Palácio dos Gatos, ou Palácio dos Cornos, como apelidam os clientes. Ele nem acredita nos efeitos medicinais, mas sabe que o povo se entusiasma.


O bar, no Comércio, é um pé-rapado raro que ainda aromatiza aguardente com ervas, folhas, raízes, frutas e cascas de madeira. Diante do avanço das cervejas, é difícil encontrar boteco com prateleiras cheias de cachaça aromatizada. O de Cídine é típico: chapéu com chifre pendurado na parede para acertar a carapuça de alguma cabeça, arrocha nas alturas, homens jogando baralho e tira-gosto de josefina com farinha em prato Duralex. Uma maravilha para afogar as mágoas e tirar sarro dos amigos traídos. Na prateleira são mais de 30 garrafas. O drinque CGC, mistura de cravo, gengibre e canela, é o mais famoso.


Essas misturas e infusões são também a atração do Cravinho, clássico do Pelô, que vive lotado, principalmente na alta estação.


Julival, que comprou o bar de um tio há decadas anos, é paciente com as histórias dos clientes. Mais sofisticado, desenvolveu uma engenharia para oferecer a cachaça saborizada. De 34 barris arrumados no alto das prateleiras descem mangueiras que alimentam os copinhos para fãs da infusão. Foi necessário, não teria garçom pra dar conta de servir 500 doses em um dia movimentado de Verão.


Julival revela seu recorde: numa noite de Terça da Bênção remota, quando a região estava no auge, já vendeu três mil copinhos. Fiofó, chuvinha do céu, os nomes são criativos, batizados pelos clientes. Aliás, são eles que depuram a receita. Vão sinalizando se está fraca e se precisa de mais cor, sabor.


O certo é o uso da aguardente neutra, pra não dizer ordinária, assim o ingrediente encontra espaço e se sobressai. Para clientes que querem a bebida mais sofisticada, na lojinha anexa tem garrafas de marcas conceituadas.

Sobreviventes ou não, os bares com cachaça em infusão fazem sucesso. Lula e Jacira, donos do Thyliu’s, no Ogunjá, estão no ramo há 20 anos. Em garrafões armazenam sabores de jatobá, catuaba, erva-doce e cravinho, claro.


Divertido, o casal recebe o cliente dizendo que a farmácia está aberta para atender qualquer problema de saúde, de gripe a dor de cotovelo.


Locais alegres, qualquer que seja o balcão, atrás dele tem sempre um paciente dono disposto a escutar lamentações e lorotas.


No Brasil são infinitas as infusões, vou falar de apenas algumas e claro começando pela minha favorita.


Canelinha


Sempre que vou visitar familiares em Minas Gerais, na mala volta pelo menos uma garrafa de cachaça aromatizada com canela.


Minas Gerais é referência mundial quando o assunto é cachaça de qualidade. E a canelinha é uma aguardente com gostinho de roça. Uma infusão artesanal, feita no alambique e sem produtos químicos, doce, macia, suave, com aroma de canela e notas de baunilha.


Traz em sua composição, a cachaça genuinamente mineira e canela, que é uma especiaria fortemente aromática e doce, além de outros ingredientes fundamentais para o aroma e sabor característicos.


Surpreendente pelo seu paladar adocicado e macio, pode acompanhar petiscos e entradas. Vai bem com tudo. Torresmo, linguiça, costelinha e lombo são os mais tradicionais. Há quem goste de sofisticar, servindo queijo canastra com tomates secos e azeite a gosto. A famosa carne de sol com mandioca fica mais requintada se servida com manteiga de ervas. Mas há aqueles que não dispensam o bom e velho amendoim torrado, porém, é você quem faz a melhor combinação.

Assim como se faz com o vinho, cheire antes de beber. O aroma também faz parte do prazer.


Cachaça de Jambu


Apesar de ser chamada de Cachaça de Jambu é na verdade uma aguardente composta com cachaça e jambu, pois o termo cachaça é restrito “a denominação típica e exclusiva da aguardente de cana produzida no Brasil, com graduação alcoólica de 38 a 48 por cento em volume, a vinte graus Celsius (°C), obtida pela destilação do mosto fermentado do caldo de cana-de-açúcar (…)”


Jambu, também conhecida como agrião-do-pará é uma erva típica da região norte do Brasil, muito utilizado nas culinárias paraense, amazonense, rondoniense e acriana, podendo ser encontrado em iguarias como o tacacá, o pato no tucupi e até mesmo em pizza combinado com muçarela.


Um dos efeitos mais interessantes da erva é a capacidade de anestesiar os lábios e a língua, tornando a experiência gastronômica algo especial. A medida que você mastiga as folhas, dependendo do grau de cozimento da mesma (quanto mais crua, mais intenso o efeito), começa a sentir o efeito de dormência e formigamento da boca.


Se o jambu sozinho já causa tudo isso, imagina curtido na cachaça. Basta um gole pra sensação de dormência tomar conta dos lábios, língua e céu da boca. Ao mesmo tempo vem um quê de salgado e refrescância.



Cataia


Outra bebida que não poderia se chamar cachaça, mas, no popular, acabamos chamando de cachaça outras bebidas que não se enquadram na classificação oficial. É o caso da Cataia, a Cachaça Caiçara mais conhecida como uísque caiçara.


Cataia é uma bebida originada da mistura de cachaça com folhas da cataia, uma planta rica em eugenol, uma substância antisséptica e anestésica muito usada na fabricação de creme dental, mas com diversas outras aplicações populares – até mesmo impotência sexual.


A bebida é muito popular no norte do litoral paranaense e sul de São Paulo. Dizem que a bebida se originou em 1985, quando Rubens Muniz, dono de pousada e restaurante na Barra do Ararapira, uma pequena comunidade de pescadores próxima à Ilha do Cardoso (SP), teve a ideia de misturar cataia e cachaça na mesma garrafa.


Depois de pronta tem teor alcoólico variando entre 20% e 40% e sua infusão na cachaça é capaz de transformar a pinga em um líquido de cor amarelada e gosto muito agradável.


O nome cataia em tupi-guarani significa “folha que queima” e também pode ser chamada de acataia, pimenta-d’água, capiçoba, capetiçoba, erva-de-bicho, pimenta-do-brejo.


Consertada

No interior de Santa Catarina, na cidade de Bombinhas, uma nova tradição surgiu. Consertada é uma bebida alcoólica um tanto inusitada. Nela, o café velho ganha mais sabor com a adição de especiarias (gengibre, canela, cravo e erva doce), açúcar e uma boa dose de cachaça.


A cultura da Consertada é tão séria que, em 23 de maio de 2013, a então prefeita de Bombinhas declarou, por meio de uma lei, que a bebida era patrimônio cultural do município. À medida que enaltecia os costumes da cidade, também resguardava a receita original do drink.


O nome diferente remete à sobra do café passado, depositado no fundo da garrafa, ou melhor, do boião, jarro de barro utilizado em cozinhas tradicionais de Bombinhas. Para reaproveitar aquele restinho, os moradores da cidade adicionaram ingredientes e criaram uma bebida “consertada”, que pode ser armazenada durante muitos meses.


Com registro, ninguém poderia criar uma fórmula deturpada de Consertada. A bebida catarinense não sofreria, assim, o que aconteceu com a caipirinha. Nos anos 90, o drink tradicionalmente brasileiro foi deturpado por europeus espertinhos. Os representantes do Velho Mundo diziam que a bebida era feita de vodka e abacaxi e não, de cachaça, limão e açúcar.


Há muitas lacunas na história da bebida. Alguns preferem dizer que ela nasceu com as senhoras de Bombinhas, em festas de Folias de Reis. Outros, como os pesquisadores do Projeto de Valorização dos Ativos Culturais e naturais de Santa Catarina, vão além e dizem que a sua origem é açoriana. Até que uma investigação mais criteriosa seja feita, nada pode ser afirmado com certeza, a não ser a receita oficial da Consertada.


Azuladinha de Paraty


Com mais de um século de história, a Azuladinha de Paraty é uma aguardente destilada com folhas de tangerina, uma técnica também utilizada na Tiquira, para dar a aguardente uma cor azulada contra a luz, e uma se difere da outra pela matéria prima utilizada, onde a azuladinha é a base de cana de açúcar e a tiquira a base de mandioca.


A primeira versão da Azuladinha, que hoje só existe em coleções e acervos de degustadores, ganhou, em 1908, a Medalha de Ouro da Exposição Nacional do mesmo ano.


Atualmente, versões da bebida são produzidas por engenhos de Paraty, como o Engenho D’Ouro, e sua história fazem parte da tradição cachaceira da cidade. A bebida tem tamanha importância histórica que está enquadrada com a Indicação Geográfica de Paraty concedida pelo INPI.


Pitúconha


O rótulo é uma paródia da cachaça Pitú, porém a Pitúconha existe mesmo, e a novidade foi divulgada pela Folha de S.Paulo e ganhou noticiário internacional por meio das agências de notícias.


Aguardente de cana adoçada com raiz de maconha é o que diz no rótulo, complementada por “O Ministério do Transporte adverte: o perigo não é um jumento na estrada. O perigo é um burro no volante”.


A Pitúconha, é uma infusão da região pernambucana famosa pela produção da erva em áreas irrigadas pelo rio São Francisco, ficou famosa em meados de 2014, apesar de existir há muito mais tempo.


Sobre sua ilegalidade, a Polícia Federal afirma que não existe uma resposta. Segundo uma perícia realizada pela PF, a concentração de THC, o princípio ativo da maconha, nas raízes da planta, é muito baixo. Em entrevista à Folha de S. Paulo, Carlo Correia, chefe da Delegacia de Repressão a Entorpecentes da Polícia Federal em Pernambuco, falou que “se você for levar ao pé da letra, seria crime a comercialização da raiz e, consequentemente, da bebida, porque tem o princípio ativo. Só que a concentração é baixíssima. É uma questão que ainda não se tem uma posição definida”.


Se você ficou empolgado provar, saiba que o produto não é legalizado, mas também não dá barato.



Cachaça com cobras, escorpiões e tudo que couber na garrafa

Cobras, insetos, lagartos, morcegos e outros animais mortos também fazem infusões diferentes pelo Brasil.


Há quem diga que o costume de curtir bebidas alcoólicas com animais peçonhentos venha da Ásia. Lá, cobras venenosas e outros animais são adicionados a potes e garrafas com um vinho feito de arroz, e acredita-se que essa infusão possua efeitos medicinais, serve desde queda de cabelo a disfunções sexuais.


Mas, como brasileiro é criativo por natureza, também é possível encontrar essas misturas esquisitas em terra nacional, só que com cachaça, e, é claro, com várias aplicações curativas e afrodisíacas.


A crença é que o álcool absorve a energia e o veneno desses animais, e que isso seja passado a quem o bebe.


Em uma matéria do G1, o médico e toxicologista Daniel Rebouças, diretor do Centro Antiveneno da Bahia, afirma que as pessoas que consomem bebidas à base dos animais citados não correm risco de envenenamento, pois o álcool quebra as proteínas do veneno e o neutraliza. Entretanto, podem ser acometidos de infecção gastrointestinal. “O álcool neutraliza o veneno, mas o animal pode estar apodrecido e transmitir alguma contaminação”, completa.

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