A cozinheira de sonhos
A comida é saborosa. A batata cozida ao molho, o macarrão el dente, o arroz preparado na hora, a carne macia e suculenta; e o feijão... delicioso. Homens, mulheres, prisioneiros. Não veem o mundo por trás do muro alto e escuro, mas sabem que, logo depois dele, está ela, a cozinheira. Não a conhecem; nunca a viram, mas possuem um grande apreço por essa pessoa.
O alimento que prepara torna a vida mais fácil ali dentro: a dor, a culpa, o arrependimento, tudo fica mais suportável. Esperam pela comida assim como esperam pela liberdade, mas sabem que a segunda está muito distante enquanto que a primeira substitui o desejo, a ansiedade e dá lugar ao devaneio.
Todos os dias, às três horas da manhã, ela acorda e põe a carne para cozinhar, pois fica bem mais apetitosa se cozida lentamente. O feijão também precisa de tempo para ganhar corpo; por isso, já está no fogo desde cedo. À medida que o tempo passa, descasca as batatas, escolhe o macarrão e, quando está com quase tudo pronto, é hora de cozinhar o arroz.
Depois organiza cada vianda: uma porção de batatas, um tanto de macarrão, o arroz fresquinho, o feijão com caldo grosso e a carne para completar a ceia santa, a ceia da esperança.
A cozinheira fica imaginando: Quem é que irá comer alimento feito com tanto amor? Qual teria sido o crime que aquele ou aquela que engole uma comida tão abençoada cometera? Não! É melhor não pensar nisso...é melhor esquecer o que se passa na mente e no coração dos que habitam o lado de lá do muro, do muro alto e escuro.
A cozinheira do lado de cá, mas tantos do lado de lá! A cozinheira, presa pelo alimento que prepara; mulheres e homens presos pelas faltas cometidas, pelos seus erros; tantos erros irreparáveis, talvez. Separados por um muro, separados pela escolha que fizeram, mas unidos por tão saborosa comida.
Se eles pudessem, atravessariam o muro e iriam ao encontro daquela que possui mãos tão habilidosas . Se ela pudesse, também atravessaria, só para conhecer aqueles que ingerem o que prepara diariamente. Então apenas imagina... imagina cada um dos mais de trezentos detentos que esperam pelo que suas mãos preparam. E eles, por sua vez, imaginam a cozinheira...
Cada um em seu lugar, cada um com seus tormentos, imagina e espera... é só o que podem fazer diante do muro alto e escuro que separa os prisioneiros da cozinheira de sonhos.